LUÍS REIS TORGAL - Brandos Costumes…O Estado Novo, a PIDE e os Intelectuais
Sociedade Martins Sarmento | 27 abril de 2024 | 17h00
DIA MUNDIAL DO LIVRO II 2024
“ARGONÁUTICA” DE APOLÓNIO DE RODES
Comemorando o Dia Mundial do Livro, e assinalando os 125 anos que passam sobre a morte de Francisco Martins Sarmento, a Sociedade Martins Sarmento destaca da Biblioteca Pessoal do seu patrono o livro em grego, “Argonauticon librii IIII”, de Apolónio de Rodes, com edição de 1574, que fora fonte de pesquisa para as investigações do etnógrafo e arqueólogo vimaranense.
Escrito pelo erudito grego, Apolónio de Rodes (séc. III a.C), no período do Egito Ptolemaico, a “Argonáutica” é um poema épico em quatro cantos, que descreve as aventuras e viagens dos Argonautas – 50 heróis gregos, entre eles Jasão –, desde o porto de Tessália, até à Cólquida, assim como a viagem de regresso, pelo Mar Negro. Os Argonautas partiram de Tessália, na nau Argos, em busca do “velo de ouro” – símbolo do poder e da realeza, presente dos deuses que atraía a prosperidade –, objetivo alcançado depois de superadas várias adversidades. De uma forma sintética, o primeiro e segundo livro da “Argonáutica” conta a viagem até Eetes (Cólquida); o terceiro narra o enamoramento de Medeia e Jasão, assim como apresenta as várias provas que este teve de vencer para alcançar o “velo de ouro”, o quarto livro dá conta da conquista do “velo” e prossegue com a viagem de regresso à terra natal, pelo Mar Adriático até ao Egeu.
O livro narra o episódio mítico – aventura heroica que decorreu no período anterior à Guerra de Troia –, apresentando as várias personagens e as dinâmicas políticas, religiosas, culturais e éticas específicas da época dos acontecimentos. A esta narrativa, Apolónio de Rodes associa o contexto do real, da “Dinastia Ptolemaica”, assim como explora os modelos poético-literários do seu tempo. O autor carateriza várias figuras políticas, herdeiras de Alexandre o Grande, analisa os ecos políticos da esfera religiosa na sociedade, articulando-os no processo de construção ideológico da identidade helénica no Egito do séc. III a.C., e apresenta modelos de governação, como que sugestivos para o desenvolvimento da reflexão sobre a governação pelos soberanos ptolemaicos. O poeta grego, para além das caraterísticas mitológicas que explora, integra elementos de natureza geográfica, histórica, etnográfica, cultural e política, relevantes para o conhecimento sobre a Antiguidade.
Sobre as qualidades da obra e do poeta, escreve o autor da primeira tradução do livro para português, José Maria da Costa e Silva (1852):
“(…) é um dos mais belos monumentos da poesia grega: não desconheço os seus defeitos, e um deles é a demasiada extensão dos cantos, cada um dos quais contém versos para dois de tamanho regular.
Quando comparo Homero com Apolónio, o primeiro se me afigura uma torrente, que se precipita de uma serra elevada, e inculta, reboando, e escumando em roda dos alcantis dos rochedos, que lhe servem de amparo, ou estorvo, até arrojar-se com estrondos em lagos, e barrancos; o segundo uma fonte, que desce murmurando de uma colina coberta de verdura, e arvoredo, para vir serpear por um prado alcatifado de flores à sombra de freixos, e salgueiros, que sobre a sua torrente se debruçam.
Homero é mais grandioso, sublime, e abundante; Apolónio mais correto, regular, e sentencioso. Homero tem mais imaginação; Apolónio mais juízo. Um representa a época do génio, e da força; o outro a da filosofia, e do gosto, que sempre vem depois dela. Homero tem mais fecundidade; Apolónio mais nexo; quiséramos muitas vezes Homero menos gigantesco, e Apolónio mais pitoresco; no primeiro menos exageração, no segundo mais fogo. O pincel de Homero é forte, e vigoroso como o de Rembrandt, e Caravaggio; o de Apolónio delicado, e gracioso como o de Albano, ou Júlio Romano. Apolónio imita muitas vezes Homero, porém as suas imitações não ficam inferiores ao original.
Não dou a minha opinião como regra, mas parece-me que um poema, que excitou o ciúme de Calímaco, que Quintiliano conta entre o número dos que devem ler-se, dando-o pelo mais perfeito modelo do estilo temperado; um poema que Varrão tomou o trabalho de traduzir em verso latino, e de que Ovídio, Valério Flaco e Virgílio se ajudaram tanto, não pode ser uma obra sem merecimento, nem composição de um poeta medíocre (…)”.
Apolónio de Rodes nasceu no Egito, tendo vivido na Alexandria e em Rodes, foi discípulo do poeta e mestre-escola Calímaco, e, para além de homem de letras, foi guarda-mor da Biblioteca da Alexandria. Escreveu vários textos poéticos, contudo os investigadores destacam o poema épico “Argonáutica”, considerando-o uma das mais importantes e influentes composições literárias do período helenístico. Os estudos que têm vindo a ser dedicados a este texto, apontam a assinalável influência da obra de Apolónio de Rodes na poesia latina, assim como frisam o traço “académico” da “Argonáutica”, em consonância com o saber da época. Virgílio, no livro IV da “Eneida”, denota a influência do texto épico de Apolónio de Rodes.
Francisco
Martins Sarmento, em 1887, apresentou um estudo no qual interpreta a
lenda dos Argonautas, livro que o etnógrafo e arqueólogo vimaranense
intitulou “Os argonautas: subsídios para a antiga história do ocidente”.
O estudo de Martins Sarmento sobre a obra de Apolónio de Rodes,
especialmente do livro IV, inscreve-se no âmbito das investigações
sarmentinas dedicadas ao conhecimento das origens antropológicas e
étnicas dos Lusitanos. F. Martins Sarmento ofereceu os direitos da obra à
Sociedade Martins Sarmento, tendo a Instituição concorrido com este
trabalho a um prémio instituído pelo Rei D. Luís, na Academia das
Ciências de Lisboa, e oferecido um exemplar aos seus sócios.
A Sociedade Martins Sarmento manifesta o seu profundo pesar pelo falecimento do Dr. Fernando Dias de Carvalho Conceição, sócio n.º 9 desta Instituição, na qual tinha sido admitido em fevereiro de 1968, pela Direção então presidida pelo Coronel Mário Cardozo.
Foi um ativo sócio da Sociedade Martins Sarmento, tendo desempenhado o cargo de Presidente da Assembleia Geral entre os anos 1983 e 1986, integrando o Conselho Científico desde 2014. Distinto professor, dedicou a sua vida ao ensino, tema que abordou em conferência que proferiu na Sociedade Martins Sarmento, em 1981, intitulada “O Ensino em Portugal, que futuro?”, publicada na Revista de Guimarães. Na área da investigação, publicou várias obras sobre História Local, de que destacamos a sua última publicação, editada por ocasião do seu centésimo aniversário, “Os claustros de Guimarães: arquitetura e simbolismo”.
A Direção da Sociedade Martins Sarmento expressa homenagem e pesar pelo falecimento deste seu ilustre associado e apresenta a toda a sua Família sentidas condolências.
A Direção da SMS
Portugal 50 anos depois - Abril com Cantigas do Maio
Inauguração da Exposição: 19/04/2024 (18h30)
Galeria de Exposições Temporárias da SMS
Desde 1970 o país sofreu rápidas transformações políticas, demográficas, sociais e económicas que o aproximaram da Europa. Nesta exposição acompanhamos este processo até ao presente, que nos confronta com novos desafios e nos recorda que só há liberdade a sério quando houver a Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação...
Ao longo de 2024, a Sociedade Martins Sarmento (SMS) estuda e expõe em detalhe peças do seu acervo museológico, com o objetivo de partilhar um pouco da história dessas coleções.
A peça em destaque do mês de abril é um peitoral de couraça do séc. XVI, que é acompanhado por mais um peitoral e um espaldar de couraça e uma joelheira, todos do séc. XVI.
Estas peças poderão ser visitadas no nosso espaço de terça a domingo das 10h00-12h30 e das 14h30-17h30.
Categoria: Armas
Subcategoria: Arte
Nº Inventário: Et-0380
Denominação: Peitoral de couraça
Época: Séc. XVI
Altura: 36,3 cm
Largura: 35,8 cm
Profundidade: 18 cm
Matéria: Ferro
Proveniência: Desconhecida
Função: Defesa do tronco
Localização: Reserva Etnografia
Descrição Peitoral de couraça em ferro batido. Tem dois botões de fixação da presilha de couro, que os ligava ao espaldar da couraça. Nas ilhargas apresenta duas patilhas para fixação da fralda. É vincado em quilha desde a gola debruada até ao rebordo inferior, formando a toda a volta uma pala de três a quatro centímetros. Na pala existe um botão de fixação da fralda. Sob a gola, ao centro ostenta um punção em que se nota o número 31.
Couraça: peça de proteção do tronco (peito e costas) dos combatentes, cuja afirmação se produz na Península Ibérica a partir dos meados do séc. XIII, em virtude da incapacidade das tradicionais defesas de malhas (do género da loriga) contrariarem, por si só, a evolução registada ao nível do armamento ofensivo. Era fabricada em couro «fervido» especialmente resistente, acolchoada e forrada interiormente por telas de estopa de cânhamo, entre as quais eram embutidas lâminas de ferro imbricadas ou dispostas lado-a-lado, presas (pelo dorso, pela lateral, ou pela frente) por meio de cravos e suficientemente unidas e espessas para que não surgissem aberturas propicias à penetração das armas inimigas. Complementarmente, a couraça podia também levar gorjais para proteção do pescoço, assim como mangas e fraldões. Por outro lado, podia ser coberta por um tecido de seda bordado a ouro, de cores distintas, motivo por que os textos ibéricos coevos falam em couraças vermelhas, amarelas ou azuis. Este género de «proteção reforçada» (de que há diversos testemunhos ibéricos, ainda para o último quartel do séc. XIV) antecede (e de alguma forma anuncia) o aparecimento e triunfo das armaduras compostas por placas ou chapas metálicas (isto é, o arnês).
Arnês: termo genérico, designando o conjunto das peças metálicas de formato anatómico que se afirmam na generalidade do Ocidente (em substituição das defesas de malha do género das lorigas e das defesas de placas do tipo das couraças) ao longo da 2ª metade do séc. XIV, anunciando o aparecimento — na centúria de Quatrocentos — dos famosos «arneses brancos» (ou armaduras completas). As peças que compõem o arnês são, portanto, chapas metálicas bem polidas, propicias ao deslize (ou deflexão) das armas adversárias e extremamente resistentes. No entanto, e contrariamente ao que habitualmente se pensa, revelam uma articulação e uma flexibilidade muito razoáveis, embora tendo de ser compensadas nas juntas (especialmente nas axilas) e nas articulações por proteções de malha suplementares. Um arnês completo podia comportar duas ou três dezenas de peças independentes, as quais eram unidas e articuladas entre si por meio de dobradiças, de gonzos e de atilhos de couro.
Entre as componentes mais importantes do arnês, destacam-se (para além do peitoral ou peito, que protegia o tronco): os gorjais e as baveiras, que garantiam uma eficaz proteção da zona do queixo e do pescoço (imediatamente abaixo do bacinete); um núcleo de peças discordais, em forma de rodela, para defender as articulações superiores, como pulsos, cotovelos e ombros (deve ser esse o caso da espaldeira); o «arnês de braços», isto é, as placas metálicas destinadas a proteção dos braços, dos antebraços e das mãos (designadamente os braçais, os avambraços, os rebraços e as manoplas, flexivelmente articuladas entre si, para preservar a mobilidade do cavaleiro); a panceira ou escarcela (o conjunto de peças que ficavam suspensas da cintura, para a proteger); e, finalmente, o chamado «arnês de pernas», o qual incluía peças de proteção das coxas, dos joelhos e dos pés (ou seja, coxotes, joelheiras, grevas e sapatos de ferro ou escarpins).
Bibliografia
- Catálogo do Museu de Martins Sarmento : secção de etnografia . - Guimarães : SMS, 1981
- Catálogo do Museu da Sociedade Martins Sarmento : IV - secção de arte e etnografia . - Guimarães : SMS, 1936
- GUIMARÃES, Alfredo; As Armas Brancas do Solar de Pindela. Porto: Instituto para a Alta Cultura, 1946
- MONTEIRO, João Gouveia; A guerra em Portugal nos finais da idade média, Notícias Editorial, 1998
- MONTEIRO, João Gouveia; Armeiros e Armazéns nos finais da Idade Média, Viseu, 2001
- RIQUER, Martin de; Estudios sobre el Amadis de Gaula, Barcelona, 1987
- SOLER DEL CAMPO, Alvaro; La evolucion del armamento medieval en el reino castellano-leones y al-andalus (siglos XII-XLV), Madrid, 1993
- VITERBO, Francisco Marques de Sousa; A Armaria em Portugal. Noticia documentada do
Poucos conhecem hoje uma poeta que honrou desde cedo o nome de seus pais, os Senhores de Vila Pouca, e em sua vida (1749-1824) marcou a vida literária em Portugal. Porque a esquecemos? Porque a lembramos? A maior parte das vezes, a memória, como o esquecimento, pouco tem a ver com a abundância ou a falta de mérito. Esquecemos e lembramos porque é fácil esquecer ou lembrar. E só por isso devemos rever regularmente a História que contamos.
A PAIXÃO EM GUIMARÃES
A Sociedade Martins Sarmento integra, uma vez mais, a iniciativa "Da Quaresma à Páscoa" que celebra este período do ciclo pascal em Guimarães e que inclui, entre outros eventos, o percurso expositivo "A Paixão em Guimarães".
Ao visitar-nos, vai poder observar, três gravuras - Mater Dolorosa; Senhor Jesus da Consolação e Senhor Jesus dos Prodígios - gravados por Francesco Bartolozzi.
"A Paixão em Guimarães" é uma exposição temporária que apresenta 42 peças de elevada qualidade artística relacionadas com a Quaresma e que pode ser vista através de um percurso pelas igrejas, museus, oratórios e Passos da Paixão existentes na cidade.
São 18 locais diferentes de um itinerário que o visitante pode realizar de forma livre entre os dias 15 e 30 de março, de terça a domingo das 10h00-12h00 e das 14h00-17h00.
A entrada para ver as peças que fazem parte desta exposição é gratuita.
No ano de 2024, assinala-se uma data de especial relevância no contexto português: a comemoração dos 50 anos do 25 de abril de 1974. Aproveitamos esta data simbólica para dar continuidade aos concursos de ilustração e de crónica da primeira edição, da 9 | Revista de Guimarães Júnior, no espírito dos principais objetivos desta publicação periódica: estimular a participação ativa do público escolar na construção da revista, optando por temas que instiguem a reflexão.
A cerimónia de entrega de prémios dos concursos de ilustração e crónica, realiza-se no próximo dia 16 de março, pelas 16 horas, no Salão Nobre da Instituição.
TRAÇO CONTÍNUO
José Paulo Ferro, NOV. 2023
A exposição de José Paulo Ferro (Alcobaça, 1955) resulta de um encontro de dois ciclos do seu trabalho que, em parte, puderam ser vistos em Guimarães em 2004 e 2009 sob os títulos “A Solidão das Árvores” e “Excuse Me While I Kiss the Sky,” na Galeria Gomes Alves. Estes trabalhos, realizados desde os anos 90 do Séc. XX, permitiram-lhe fazer agora uma espécie de arqueologia que resultou no reencontro com os desenhos que levaram à construção do contínuo que vai ser exposto na parede maior da galeria, formando uma antologia do seu trabalho de desenho nos últimos 30 anos.
Os desenhos mais recentes, ainda céus como em 2009, mas também sofás, devem bastante às quarentenas da pandemia de Covid 19, aos isolamentos nos sofás de nossas casas e à recuperação desses outros écrans que são as janelas que, no seu caso, lhe permitiram ver tantos e tão desafiantes céus.
Passada a pandemia entrou a Humanidade(?) numa série de guerras que lembram algumas frases dos poemas de David Byrne usadas nalguns desenhos que integrarão a exposição como: “It´s okay to be afraid” ou “the sound of gun-fire, of in the distance, I´m getting used to it now”, escritas há mais de 30 anos, mas com uma actualidade que permanece evidente e triste.
Através do desenho, da fotografia ou da pintura José Paulo Ferro parte do que vê à sua volta para tentar recriar para os outros uma experiência da emoção que o “espectáculo do mundo” * lhe produz. O que nesta exposição chamou desenho contínuo é, afinal, um contínuo de desenhos em que a natureza, especialmente as árvores e as nuvens, alimentam o seu desejo de também criar e partilhar beleza e perfeição.
Nas palavras do artista parafraseando David Byrne:
“Here are the drawings that I made, were I am”.
* “Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo”, escreveu Ricardo Reis.
José Paulo Ferro
José Paulo Ferro nasceu em Alcobaça em 1955. Frequentou a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa tendo feito o Bacharelato em Design e a Licenciatura em Artes Plásticas/ Pintura. Foi aluno e monitor do Instituto Português de Fotografia e foi professor de Artes Visuais nos ensinos básico e secundário entre 1976 e 2021.